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a Amélia tinha um espaço grande na janela do coração. tinha o ar bonito de quem gosta muito de crianças, e todas elas, assim que chegavam à escola, se agarravam a ela e diziam " bom dia Amélia!". a Amélia tinha um grande sorriso, sabia onde estava a mala de cada menino e menina, conhecia os irmãos, mesmo os mais novos acabados de nascer que ainda não andavam na escola. a minha sobrinha gostava muito dela, muito, a minha irmã também. eu também. não a via todos os dias, mas quando ía lá buscar a "minha criança", era ela que abria a porta. a sorrir. acho que nunca a vi com a bata que todas as outras funcionárias usavam, mas todos sabiam que ela era dali porque tinha o ar de pertença. de quem faz parte. sorria muito no dias das famílias, em que o recreio ainda ficava mais cheio. conseguia que todas as crianças se portassem bem com ela, denunciando a inutilidade dos castigos e a maldade da falta de paciência. gostava de ir à escola e ver a Amélia. tinha uma ternura nos gestos de algum modo parecida com a que existe nos gestos da minha avó, o que me fazia gostar ainda mais dela. e dela também.

antes do verão a Amélia foi a cada sala conversar com todos os meninos. mostrou desenhos e explicou, por palavras pequenas e simples, que não se deve fumar porque se pode ficar doente por dentro. a Amélia só disse isto e a minha sobrinha veio-me contar, ao fim do dia, enquanto conversávamos a ver o mundo do lado de lá da janela, que a amélia estava doente e tinha ido visitar todos os meninos a contar isso de "estar doente".

a Amélia faleceu ontem. falei com a minha irmã agora ( " custou-me imenso sabes? acho mesmo que aquela senhora marcava qualquer pessoa que falasse com ela." ) a Amélia tinha uma janela no sítio do coração.

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