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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2005

janela

esta é das minhas janelas preferidas. tem umas cortinas de um tecido muito fino do lado de cá, onde se joga às escondidas e se começa a aprender a maciez do mundo. tem uma moldura creme clarinha. sim, porque as janelas não são só aquela espécie de porta que se bre a fecha, são também o que têm em volta e, mais que isso, o que há de um lado e do outro. outros. esta janela sabe voar. e depois há também aquele texto bonito " Sentado numa cadeira de praia interrogo o pé que desenha na areia quente uma âncora. E depois a âncora desenha um coração. E depois o coração desenha uma janela. Levanta-se da cadeira, aproxima-se da janela, debruça-se, dá um impulso ao corpo magoado e cai. Só o vento o acompanha. Está ainda a nascer? Ou começou agora? "

janeiro

estes são os dias de desejar um saco de água quente permanente nos pés, no pescoço, na pele dos pulsos que fica à mostra entre o fim da camisola e o começo das luvas. estes são os dias de gripe e de quase toda a gente na cama. e os outros que se encaminham para lá. hoje gostava de estrada. de encontrar os rosas e lilazes da a2 no fim do dia e achar-me no alentejo. e talvez antes atravessar o sado de barco na esperança eterna de ver um golfinho. apetecia-me ouvir música no carro, até lá chegar, sem nunca saber onde esse "lá" fica afinal. parar num supermercado para água e bolachas, daquelas mercearias pequenas das estradas nacionais, ou então uma estação de serviço. gostava da planície sim, do espaço recto entre chaõ e céu como em áfrica ( que me faz falta). ou seguir para norte e encontrar aquele abraço no fim, além de uma correria de passos mais pequenos na minha direcção, e alguém que me pula no colo. comer sopa verde, deitar-me no puff, no chão de madeira, mesmo ao pé do
"os problemas têm de facto de ser muito grandes para atingirem o patamar dos problemas. e aí existem para serem resolvidos." (Sofia Maltez)

quando

"de manhã escureço de dia tardo de tarde anoiteço de noite ardo. outros que contem passo por passo: eu morro ontem nasço amanhã. ando onde há espaço: meu tempo é quando." (Vinicius) (Joana Rocha)

movimento

confunde-me os que pensam na vida como sendo sempre o mesmo: os mesmos lugares, as mesmas pessoas, a mesma rotima entre compromissos de agenda. eu que nunca consigo isso, que sinto que há lugares que deixaram de ser meus, e pessoas com as quais não me dou tanto, mas de quem gosto ainda (de quem me lembro enquanto mexo um café, quando alguém diz uma frase distraída que vai directa a uma memória), eu que sinto que a vida me atavessa como em enormes corredores de vento, que me traz coisas, que me abana e me leva com ela. não consigo ficar presa no que já foi. em mim a vida tem pausas, os momentos de quietude e perfeição também, tão importantes como o movimento os dias. o movimento da terra em volta do sol, o vento na cara, as marés que se sucedem na areia que visito. e volto atrás sim, a lugares dentro de mim onde o meu presente não se apresenta tantas vezes, só não consigo voltar quando me querem prender lá. quando me fecham a janela na inocência e falsa segurança de que cada vez que se

o quarto

gosto do tempo de regressar aqui. agora é de noite. as únicas luzes, e não são bem luzes são sombras de luz, vêm do candeeiro dos vizinhos aceso nas traseiras. explico: estes prédios têm as costas voltadas para dentro, para traseiras onde há jardins e estendais de roupa mais compridos. escadas de incêndio também. tenho um vizinho do lado de lá das minhas costas, quase em linha recta. imagino-o com um candeeiro de pé a ler, talvez, ou a dormir e o candeeiro ainda ligado. parte da luz daquele candeeiro atravessa as janelas da sala do vizinho, a distância das costas onde ficam as nossas traseiras, e entra nas minhas janelas, nas minhas costas, até se reflectir na parede. a parede que tenho à minha frente. cheguei agora a casa de um lugar que é um abraço e ao entrar, vi bocadinhos de luz reflectidos com a forma dos buraquinhos do estore que atravessaram. que bonito.

herói

um herói tem uma capa: a camisola da selecção nacional. tem super-poderes: sobrevive a um tsunami que levou 160 000 pessoas, incluindo os seus pais, e sobrevive 19 dias até que é encontrado por uma equipa de jornalistas numa ilha. os heróis existem mesmo ao nosso lado, ou na tailândia. a selecção nacional, a nossa, doou a este rapaz dinheiro que lhe vai permitir reconstruir uma casa e, com a família que ainda tem, seguir em frente na vida. fiquei orgulhosa. grande selecção ao comando de Scolari.

mar de moitinho

o pai da ana era sempre o "pai moitinho". não sei porquê, mas a minha referência, quando pensave nele, era este nome: pai moitinho. fui conhecendo várias histórias, um dia tive o prazer de ir a sua casa onde brincava com o neto na sala. com o Mário e a Ana a apontarem para fotografias. "aqui foi quando..." não tenho palavras agora, embora queira dizer à Ana, ao Mário, à Mãe da Ana também, que nunca vou esquecer o Pai Moitinho. estarei com ele como a água a vazar na maré baixa. no regresso ao princípio de todas as coisas.

uma prenda

hoje recebi um acampamento de tartarugas ninja :) adoro prendas de crianças obrigada T.

o tempo

vou gostar de envelhecer a teu lado. de te ver chegar a contar o dia, o que fizeste, ou de te ter encolhido. vou gostar de assaltos planeados e constelações que sabes encontrar no céu, de acordes com as notas todas. de irmos de carro. de ti com fome, quando dás saltinhos pequeninos no chão sem reparar. de ti a tocar. de ti a ser a boa pessoa que és. vou gostar de ti também, minha pequenina que vais crescer. dos teus pequenos gestos de criança a crescer contigo, das mãos maiores, os sapatos. dos teus namorados, das histórias que contas e do entendimento que vais construindo do mundo. da forma como ainda me pedes um capuccino dividido ou que adormeça contigo, de mãos dadas, como prenda de anos. essa forma em que me prendeste "para sempre". vou gostar de ti também, minha outra pequenina. da paixão pela música e a maneira como a ouves em silêncio na sabedoria dos teus 2 anos. de ti a subir para a cadeira de baloiço e ficar a olhar, balançar, e ver a chuva cair do lado de fora

crianças

esta fotografia é de uma criança pobre nas ruas de barcelona. tocou-me pela tal "capacidade de reparação" própria das crianças. de continuar e aproveitar a próxima brincadeira. uma das coisas que mais espantou os aliados quando entraram nos campos de concentração nazi, no fim da 2ª Guerra Mundial, foi a quantidade de brinquedos que descobriram. por entre os casebres que cheiravam mal, ou nas ruas que conduziam a enormes fogos a gás, havia pequenos brinquedos feitos com o que havia à mão a testemunhar a vivência de uma infância de alguma maneira protegida pela capacidade de fantasia e imaginação. por outro lado, é frequente em crianças abandonadas, maltratadas, abusadas fisica e psicologicamente, crianças privadas dos seus direitos, fazerem desenhos em que há guerras, morrem pessoas, há muito sangue, mas no final aparece uma ambulância ou um herói, vão para um hospital e "vivem felizes para sempre". "um herói é uma pessoa que salva alguém e depois essa pes
"um porto alegre é bem mais que um seguro na rota das nossas viagens no escuro" Caetano veloso, "Menino Deus"

meteoros

houve um fim de tarde numa praia a metade assim. o céu era de verão e mais leve. mais alto. nesse dia a praia era comprida, apesar de ser só uma metade de praia ( a outra metade fugiu até hoje e pemanece à procura da correspondente, como nas histórias de almas gémeas). nesse fim de tarde quase adormecemos no areal. não me lembro exactamente quem estava. sei que depois fomos para casa e jantámos. sim, foi nesse dia em que jantámos no terraço e nos fartámos de rir até a noite ser noite-pontilhada-de-estrelas e no esquecemos quem éramos. por não ser preciso lembrar. e antes do jantar sentei-me no sofá. ainda era dia. o céu era azul turquesa, encaixado na moldura castanha da janela. castanho com manchas de sal trazidas no vento, desde a praia até ali. nessa moldura cabia um pouco de céu. um avião veio e cortou o azul. não completamente, para dividir, apareceu para dizer que existia. foi num traço branco, borrado, que disse "olá" e "adeus". em curva. com essa imagem lemb
as cores são doces e amargas, quentes e fofas, ásperas, rugosas, macias, suaves suaves suaves fracas fortes, como a roupa que se veste. são traços de colorir fora de margens por crianças. é a mancha de relva nas calças de ganga. o resto de capuccino. o tempo a chegar de manhã e o dia que se faz durante o dia. é...música. as azuis, encarnadas, "as músicas de pequeninos", "aquela", ou a minha canção em fim de tarde. cor são as tuas palavras. e as tuas mãos. cor são as palavras nas tuas mãos. feitas dedos e toque nessa maneira de chegar. cor é a maneira do sol tocar no mundo, é essa luz em cada átomo, cada pontinho de matéria, e milhares de milhões de pontinhos de matéria dentro da luz do sol. cor é luz. "naquela" maneira. (David Martins)