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Lisboa, 18-19 Dezembro 1977

minhas coisas tão docemente amadas, meu Oceano que és para mim o que nunca foste nem serás para ninguém, minhas manhãs de tímidas madrugadas, minhas águas correntes de regatos imensos que não estão no corpo mans na alma e desaguam sempre noutro rio até chegarem àquele a quem os antigos chamavam Letes. Minhas queridas nuvens:

É uma ingratidão amar-vos tanto e ainda não vos ter escrito. Mas sei que me hão-de perdoar. Se só agora vos falo e porque talvez esteja agora longe de vós e mais sinta a vossa falta, talvez por ter sido sempre impenetrável na minha completa solidão, e de me convencer, agora, que vou morrer tão só como nasci e cresci. "Damos"..."Dou", era o que devia ter escrito. Esqueço-me sempre de que só posso falar- e aproximadamente- de mim. Com o resto nem sequer me devia preocupar. O milagre de estar vivo é tão grande que me devia bastar para encher os dias todos, mesmo que eles fossem muitos. Mas...esquecemo-nos tão depressa destas coisas tão simples! Lá estou eu a falar outra vez no plural! Nisto, como em tantas outras coisas, não vou ter emenda até ao fim dos meus dias.

Quando vocês me conheceram eu ainda não dava sequer por vós, meios assustado ainda com a vida... Agora já muito pouco me assusta, ía a dizer quase nada. Por isso abro mais vezes os olhos e chego a pensar que me escutam. Foi tudo tão rápido, embora eu goste de velocidades! E no meio de duas pessoas que se encontram, como no meio de alguém que se encontra a si próprio, há sempre um espaço que nem por poder ser muito pequeno deixa por isso de ser importante. Tão importante que se não existisse não havia o mundo.

Tenho pena de vos deixar assim...Mas não é o hesitar que faz o êxito. E muito menos o de ser de tão longe. Tenho-vos sempre na lembrança,

Mário

( Mário Botas )

Comentários

TiAgO! disse…
gd mario botas!
de facto tem toda a razao. obg por esta transcrição, fez-me repensar em algumas coisas e com isso a melhorar. bjs*

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