Avançar para o conteúdo principal

em caracol

"Agora, as gotas de chuva que caem sobre a piscina, espaçadas e imprevisíveis, parecem-me a imagem que melhor descreve aquilo que existe dentro de mim e, no entanto, sei que se me sentasse a imaginar uma imagem concreta para reflectir este sentimento, nunca me lembraria desta visão simples aqui, à minha frente: gotas de chuva a caírem sobre a piscina.
A minha idade irá parar no momento em que partires. Será uma espécie de morte cinzenta e de ausência. és tu que partes, mas sou eu que desapareço. Para onde fores, haverá pessoas que já existem agora, que respiram. No teu caminho, serão como pontos intermináveis de brilho. Talvez fales para essas pessoas, talvez elas te chamem pelo nome. Para onde fores, haverá mundo e vida. Aqui, continuará apenas esta varanda onde estou: um balcão. inútil sobre a paisagem, que se dissolverá numa cor única asim que partires. Sem surpresas, passarei a mão pelo cimento. Essa será uma carícia imaginada e desperdiçada.
Mas isso será depois, quando existirem lâminas em todas as lembranças: incências, horas suspensas e irreversíveis. Agora, estou aqui e ainda não partiste. A despedida já começou em cada palavra porque sei imaginar o silêncio e conheço-o. Engano-me a acreditar que só eu sei conhecer o silêncio. Como tantas vezes, a mentira é uma forma de consolo, de sobrevivência. E ainda não partiste, estou aqui. Dentro de mim, gotas de chuva caem sobre uma superfície lisa de água, misturam-se com ela e perturbam-na desde o seu interior, desenham uma organização imposível de círculos que se alargam e colidem. Agora, o céu triste. Agora, a tranquilidade frágil e crua, cruel, de gotas de chuva que caem sobre a piscina."
(J.L.P)


Agora que deixei esta tarde de outono, ainda a arder em mim, não há palavras que melhor descrevam a paz que ficou no silêncio de batidas do meu coração que desenham a impossibilidade de nunca esquecer dias assim na loucura de um mundo
(às vezes) tão do avesso.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

dear Sophia, it's really late. I've just arrived home after a dinner at my grandma's house. she's still so special. everyone ate a lot, we talked about old friends, ourselves when we were growing up. there are always stories about africa. we are all so linked there, so many miles away and yet. we talked about you, alexis and darril. and also about the bulldogs that my uncle used to have and were pretty awfull and scary. I was really afraid of them, but one day I grabbed a horn and chased them trough the garden until they were crying with the noise. never bothered me again. we also mentioned cape town and pretoria, your house, your family, I remember you so dearly it's hard to say. you were my friend and were a bit like me. you thaught me english and had the patiente enough to hear me reading, laughing out loud in a bed full of animals and pillows that we throwed until they reached the ceiling, you knew the piano but hated it. you knew everybody and everything so wel

sorriso de março

hoje de manhã ía no autocarro a ouvir música e a pensar em qualquer outra coisa para além do transporte e da manhã em volta. O que me fazía regressar ao banco do bus eram as sacudidelas da tosse que me tem feito companhia e ajudava a mudar de posição no banco de forma quase automática. Isto, claro, além de uma nova arrumação dos pulmões, já que suspeito que me saíram várias vezes cá para fora, embora ninguém mostrasse o olhar espantado de "pulmões-ao-relento". Depois de uma das sacudidelas, que não contei por serem muitas, vi uma caixa de medicamentos no meu colo e uma uma senhora de olhos transparentes que a segurava. "Tome, ajudam muito. Tambémm estive assim e sei bem o que é", disse ela. Tinha um sorriso inteiro, estava muito arranjada, com o ar de quem não tem sono e de que todos os dias são dias especiais, e tinha olhos de Tejo. não são as palavras que fazem as pessoas, mas os gestos. este veio com a solidariedade dos viajantes, um sorriso e um olhar. Obriga

injusto

tenho visto muito menos os meus vizinhos do lado. nem pensei muito no assunto. meteu-se a parte final do ano, os exames e as últimas entregas de trabalhos, e depois houve o trabalho no colégio, alguns dias de praia e o algarve. cheguei hoje a casa e a minha mãe contou-me que o joão, o filho, mais novo de todos, teve um acidente. estava a deslizar no corrimão da escola e caíu. está há dois meses no hospital, em coma. neste momento está em alcoitão, reconhece a mãe, tem uma irmã que entra pelo quarto a dar força a todos e a dizer que "ele vai ficar bom". e o joão é só um menino que eu às vezes vejo, que às vezes toca á camapaínha e pegunta se o tobias pode ir lá brincar um bocadinho para casa. pergunta-me sempre se ele faz xixi, eu digo que não mas espero que o cão não tenha nenhuma vontade repentina que me estrague o plano e a brincadeira do joão. tem uma mochila quase maior que ele e uns olhos à chinês. vejo-o nas escadas. agora percebo o olhar triste do pai e da mãe, quan