o meu pai não é alto. tem uma barriga bem redonda, especialmente cómica quando está de perfil ou em fato de banho. era nessa barriga que eu gostava de adormecer quando era muito menina e me despedia do dia a subir e descer naquela respiração. sabe dar abraços, com um aperto final no fim, mesmo no último instante em que os braços ainda estão juntos. levantava-me de pernas para o ar e andava comigo à roda, deixava-me acordá-lo de manhã ou pedir 5 ou 6 gelados, ou umas quantas idas ao jardim da estrela para andar de bicicleta. lá punhamos o meu orgulho de "bina" em cima de um carocha antigo que, apesar da desconfiança alheia, sempre chegou ao fim dos caminhos. ainda hoje anda, com mais anos que eu, como um irmão mais velho. o pai adora bacalhau coom batatas e sopa de feijão. gosta de carochas e de passar despercebido. gosta do céu porque "o meu pai era avião". o pai gosta de redes brasileiras, ou então sou eu que gosto e ele gosta comigo também. gosta das ondas e do mar inteiro, e mesmo quando a água está gelada mergulha. tem um riso que, quando se solta, é como ele a voar. houve alturas em que vivemos colados, outras em que mal nos falámos. e ao fim de tanta distância, todos os dias tenho saudades tuas pai. e vou ter contigo, mesmo que não possa de facto ir aí. vou num airbus ou boeing que cruza os céus de lisboa, ou num carocha que passa. às vezes vejo-te nas minhas mãos, dizem que as temos parecidas. vou guardar sempre essa coisa que me ensinaste. voar, não é?
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