"Diz ele", disse Austin, "que há um súbito cheiro a jasmim trazido pela brisa inesperada, um súbito olhar límpido de mulher num súbito terraço, uma bola amarela de criança que vem devagar tocar-nos nos pés, qualquer coisa de violino, ou qualquer coisa de harpa, que vem de qualquer coisa que é noite, ou apenas silêncio, uma luz filtrada de pausa em certo fim de tarde, o mar que chega à praia deste peito, a onda que se estende quando chega, um cisne sem lago subindo o colo daquela mulher, ou a sua nudez ansiada como espuma de carne num lençol, a curva a que a mão dá o contorno, o cansaço nos lábios mordendo os cigarros, a amplidão de repente feita olhar, um grilo que vem dos nossos campos de outrora a canta na noite, o sabor do café na manhã clara, uma saia que roda e faz fru-fru, a luz que rompe, rindo, em face suja, alguém recupera música esquecida assobiando, a madeira velha larga um odor a tudo o que apetece voltar a ter, um amigo chega, bate a porta e lembra-nos o que somos, uma frase atirada ao acaso dirige-se directamente ao coração de alguém, há uma gare que se percorre o tal abraço, um pedaço de relva enrola-se nos dedos distraídos, um barco ao longe está parado e leva-nos, é de um verde tropical o cenário que te enfeita, faço alas de repente por saber que vens aí, e é como passear galeras ou palmeiras, ou alegria, ou esta primavera alvoraçada, este encontro marcado fonte e folha, brotas da geometria de um canteiro, o espaço exacto, a gota de orvalho que há no teu ombro reflecte tudo o que é puro e matinal em mim, embora eu já nem saiba como hei-de dizer-te tudo isto". houve outra pausa. "Diz Molero", disse Austin," que um homem ama ou odeia, ou é simplesmente indiferente, mas que tudo recomeça em cada minuto que passa, disseram-lhe que nasceu uma criança, amanhã vai ao enterro de alguém, laços fazem-se e desfazem-se dentro dele, segue sonhando a luz de um pirilampo ou de um farol, fica uma noite acordado a olhar para trás, há um sotão mágico onde vasculhar entre memórias, embora ele não saiba onde fica o sotão, acontece que ele existe e sobe-se para ele não se sabe como".
(que mora no mau coração,
o que faz dele um paraíso bem junto do céu
e de mim uma pessoa feliz por ser um bocadinho da casa
que é ela
o tamanho de um abraço é o de quem está dentro dele
o teu é bom)
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