"sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncio, plantei um pomar com cheiro a damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma àrvore para olhar as estrelas, um caminho o meio de um olival por onde o luar pousaria à noite, abóbodas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos e até teias de aranha suspensas do tecto, como se vigiassem a passagem do tempo. nada disto tu vistem nada te contei, nada é teu. (...)
sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos, acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passearemos pela sombra da àrvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio de noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
e a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de setembro, com cheiro a algas e a iodo. e de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo poderia ser meu para sempre."
MST
Comentários