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"Abres um livro, este, e procuras. O que se procura não se sabe. E é preciso isso de não se saber se prolongue até à desmesura do processo de procura. Só assim um livro dura, suspenso da sua reticência, na euforia da promessa. Porque cada livro é sempre a promessa de uma palavra definitiva - não a última, mas a primeira. Uma palavra, ou outra coisa qualquer, um gesto, por exemplo, um pormenor, a curva da mão, um olhar, uma fita azul, um candelabro, uma jóia, poderá ser, sim, a mão atrás das costas, o contorno agudo do cotovelo, o cabelo apanhado logo ao sair da cama, a veia nebulosa de um braço, o pregueado de uma saia vermelha, será sempre aquilo a que o olhar se prende, não por curiosidade, que isso seria demasiado fútil, a curiosidade não tem lugar nestas coisas, mas para não cair, para não descer demasiado dentro de si mesmo, para manter à tona da água os olhos entreabertos, para emergir da noite da matéria, a silenciosa noite do mundo ou outra oisa qualquer, como um olhar, por exemplo, um olhar que frontalmente nos desafia, e depois a melena do cabelo que se desprende, ou duas pinceladas de branco que vêm certamente do dia l´fora, ou a alça vermelha sobre o ombro, ou a sombra da tarde envolvendo o pescoço como uma gargantilha delicadamente nocturna. "

tv eduardo prado coelho...
encontrado numa folha solta de um caderno antigo

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