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a caminho

a caminho de tua casa há um talho. é numa rua estreita, antes da curva em que a rua se desfaz e antes de um semáforo em que se espera a rua seguinte. quando te vou buscar sei que vou passar lá, por estar no caminho que faço até ti, quase no fim, quase a chegar.
o semáforo implica espera e, por isso, parar frente ao talho. não é grande, tem só uma vitrine e uma porta. a vitrine não serve de muito por estar coberta com cartolinas fluorescentes a anunciar as costoletas, teclados, entrecostos, miúdos e pás ao melhor preço da região e arrredores. tudo escrito na letra de quem não tem jeito para escrever em cartazes, primeiro grande e cada vez mais pequena, como se soprada de um funil. à frente do talhoo há uma estátua, se é que se pode chamar assim, de um senhor com outra cartaz, este feito de barro, a anunciar as mesmas coisas que as cartolinas na montra. talho pequeno, tudo bem, mas lá comunicativo é. ora a rua é estreita, o passeio é estreito e a estátua, por ser larga, só cabe entre o lugar de estacionamento de dois carros, estreito també. fica lá apertada e de lado, de forma a que não se lê nada, a não ser que se esteja dentro do carro estacionado atrás ( a caça de mais um cliente vale sempre a pena!).
não sei porquê, mas dou por mim a sair de casa e pensar que vou passar pelo talho. fazem-me rir os nomes poéticos "teclado", "miúdos"...e faz-me rir o conjunto fluoescente e o parar sempre lá. nunca passei ali sem parar. e lá vou eu a rir e lembrar-me dos teclados e costoletas, das letras tortas. talvez me ria antes de ti. é de ti, contigo, que me estou a rir por dentro e a gargalhada rebenta-me ali, em frente ao talho. porque sei que te encontro na rua de cima, junto à passadeira, faço sinais de luzes, páro (em ti páro sempre) e seguimos os dois. o talho ficou para trás.

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