"Morelliana, Penso nos gestos esquecidos, nos múltiplos acenos e palavras dos avós pouco a pouco perdidos, não herdados, caídos um a seguir ao outro da árvore do tempo. Esta noite encontrei uma vela em cima da mesa, e por brincadeira acendi-a e andei com ela pelo corredor. O ar do movimento ia apagá-la, então vi a minha mão esquerda levantar-se sozinha, fazer uma cova, proteger a chama como um abat-jour vivo que afastava o ar. Enquanto a chama se colocava novamente aberta, pensei que esse gesto tinha sido o de todos nós (pensei nós e pensei bem, ou senti bem) durante milhares de anos, desde a Idade do Fogo até ao dia em que no-lo trocaram pela luz eléctrica. Imaginei outros gestos, o das mulheres a levantarem a ponta das saias, o dos homens a procurarem o punho da espada. Como as palavras perdidas da infância, ouvidas pela última vez da boca dos velhos que iam morrendo. Em minha casa já ninguém diz a "cómoda de alcânfora", já ninguém fala dos "tripés". A mesma ...