natal tem a bagageira cheia de prendas. as várias paragens no caminho a recolher família, fazer figas para que se arranje um lugar mesmo à porta da consoada. olha-se duas ou três vezes para trás, não vá alguma coisa ter ficado no passeio. as crianças têm olhos que brilham, deliram com o "ho ho ho!", espreitam em cada esquina de parede não vá o pai natal andar por ali distraído. os presentes cobrem toda a base da árvore, cheira a bacalhau cozido. depois vêm o jantar, as sopas, o prato principal, o grão a rebolar da colher enquanto se servem os pratos. as sobremesas e a calda das fatias douradas, os ramos de azevinho que decoram a mesa, os copos e o barulho líquido que os enche.
é quase meia noite e a excitação aumenta. e e e e e e e meia noite! rasgam-se laços e papeis, todos, vioalm-se embalagens e só depois se encontra o "abrir por aqui". todo o chão se cobre de papeis, bocadinhos de papeis, bocadinhos muitos e muitos de papeis por cima de prendas por abrir. por baixo dos pés. com a fita-cola a prender-se às solas e ficar testemunha dos próximos passos ( e gargalhadas). gosto da minha mãe a dizer "gostaste das tuas prendas? ". é a confusão do papel. o sorriso incrédulo e cristalino das crianças. o cheiro da calda das fatias douradas. as surpresas. abrir alguma coisa e encontrar parte de nós.
o que eu gosto mesmo mesmo é de estar no sofá. de estar aquela confusão de papeis e encostar-me para trás. fechar um bocadinho os olhos e ouvir o som do natal. voltar, ver a excitação de quem continua a abrir presentes, experimenta outros, a mostrar tudo e tudo. perdem-se peças. a minha parte preferida é a minha avó ao meu lado. esquerdo. é chegar-me ao pé dela, a observar tudo como eu, e rirmo-nos uma para a outra. e entrelaçar os braços, dar-lhe beijinhos. perguntar-lhe se é mesmo verdade que o nó do polegar dela era do tamanho do meu joelho quando nasci. ela diz sempre que sim e mostra a medida com a mão outra vez. aninho-me aí, nessa cruva de mão que agora tem a minha mão inteira. uma medida que o meu joelho ultrapassou. abraço-a. essa é a parte mais bonita da noite da consoada.
se eu soubesse dizia que tenho uma avó leoa. que me deu colo assim que nasci. o colo que sei de cor. ela cozinha tão bem! é corajosa (tanto). é atenta, tem presença, é sensível e brincalhona. sabe ensinar. ralha, mas fica sempre do lado dos netos e não dos pais. telefona. adoro levá-la a passear no meu carro, as duas a ouvir cds. ela a perguntar-me o nome de cada canção e a apanhar os refrões. a contar as coisas da família. e minha avó é "um ponto de reunião de pessoas no mundo". é avó leoa, porque as leoas sabem sempre onde a família está. se eu pudesse dizia-vos "quem me dera ser alguma vez na vida alguém tão grande como é a minha avó". dizia-vos, mas os dedos estão presos naquele abraço. ass letars trocma-s. despedem-se.
(vão para o lado de dentro dos abraços)
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