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A mostrar mensagens de dezembro, 2004

passagem

Nesta estrada de inverno atravessam-se corredores imensos, em frente, lado a lado, cruzados entre si como braços na saudação de um brinde. o caminho é sempre em frente, mas podemos arrsicar um salto numa poça, uma saída de percurso até um tufo de relva, uma contra-ordenação em desrespeito pela linha tracejada até onde apetecer. porque o caminho é a viagem e a viagem somos nós. levo-vos comigo, todos os amigos de sempre, todas as pequenas coisas que nos fazem, gestos cortados no vento, o lado de dentro dos abraços, a música, tudo o que somos quando somos nós. e o resto. (Filipa scarpa)

consoada (consolada?)

natal tem a bagageira cheia de prendas. as várias paragens no caminho a recolher família, fazer figas para que se arranje um lugar mesmo à porta da consoada. olha-se duas ou três vezes para trás, não vá alguma coisa ter ficado no passeio. as crianças têm olhos que brilham, deliram com o "ho ho ho!", espreitam em cada esquina de parede não vá o pai natal andar por ali distraído. os presentes cobrem toda a base da árvore, cheira a bacalhau cozido. depois vêm o jantar, as sopas, o prato principal, o grão a rebolar da colher enquanto se servem os pratos. as sobremesas e a calda das fatias douradas, os ramos de azevinho que decoram a mesa, os copos e o barulho líquido que os enche. é quase meia noite e a excitação aumenta. e e e e e e e meia noite! rasgam-se laços e papeis, todos, vioalm-se embalagens e só depois se encontra o "abrir por aqui". todo o chão se cobre de papeis, bocadinhos de papeis, bocadinhos muitos e muitos de papeis por cima de prendas por abrir

as coisas boas

há dias em que o café se entorna. em que os transportes partem e ficamos a vê-los ir enquanto corremos para a paragem. dias em que se pisam poças, em que se chega atrasada. em que nos pisam, sem querer, na rua, ou raspamos nalgum guarda-chuva distraído. dias em que candeeiros caem. em que vamos à despensa e as nossas bolachas preferidas acabaram. em que se sai à rua e se descobre que está muito mais frio do que se pensava. dias em que os planos ficam furados por coisas pequeninas, a que nunca démos grande importância, mas agora fazem falta. mas há o resto. há um amigo que se encontra e diz olá. há alguém que tem compromissos e vem, há quem atende o telefone e vem. há alguém que e encontra aqui e nos diz a verdade do que somos. há este fim de dia, que mesmo frio, cheira a natal. gosto a festa de família do natal. há um passeio à rua com um cão que reconstrói bocadinhos. há coisas tontas que nos fazem rir. e rimos. vai-se ao supermercado, é tempo de um lanche. chega de esforço hoje, dep

uma casa

hoje conheci uma casa tem chão de madeira em diagonal e janelas com um arco em pedra por cima tem estas cores vai ter a minha rede um cão chão espaço luz escadas de madeira (luis coimbra)

equador

os dias têm uma luz diferente quando começam e acabam. em áfrica, no deserto, o fim do dia é um segundo. é de dia e logo depois noite. não é como em lisboa, onde o fim se arrasta pelo rio, chega devagar em tons de azul que tombam em paredes brancas. demora-se em anúncios colados na estrada, no escurecer de todas as cores. só depois de alguns minutos podemos dizer "é de noite". ai não sei como é. estão mais perto do equador, o maior abraço do mundo. talvez seja assim mesmo. talvez a terra se engula a si própria para abrir outro espaço onde a noite pode existir. ( fotografia de fcorreia)

moínho

fui ao moínho.levei o meu carro, que não é um jipe mas podia ser,e lá fomos. cruzei a estrada mais bonita, primeiro no mar, depois na serra. até ao cume, onde se pode esticar o braço e tocar numa estrela. foi estranho voltar sem ti. mesmo que seja bom. mesmo que faça parte quando se mostra a quem não conhece. tenta-se dizer cada curva, o som do carro no asfalto, explicar as nuvens e o tempo que trazem. depois não há palvras. reza-se para dentro, na esperança de que quem está compreenda. é tempo de reencontrar atalhos, fazer caminhos onde não existem. tira-se o cd. aqui não se conduz de cinto. está sempre aquele frio de ter vontade de uma manta à volta. o mar está em todo o lado com o céu e a linha do horizonte a fazer uma curva inteira ao fundo. adoro o barulho dos pneus nas pedrinhas em cada curva. os saltos. a dúvida de cada buraco. as subidas. o chiar dos travões. o volante a mexer, muito diferente de uma auto-estrada. aqui não há pressa nem tempo. os caminhos são apertado
hoje estou muito cansada. é normal do fim de semestre, mas mesmo assim me espanto quando chega a hora de dormir menos, de comer pior. há alturas de seguir em apneia e seja o que deus quiser, mas não gosto. não sei levantar-me de manhã porque tem que ser, nem ter atenção ao que é suposto, trocar dias de sol por momentos sem sentido que "Têm que ser". nunca acreditei nisso. não sei viver de cor. quero rasgar o tempo e fugir. encontrar, subir uma serra, ir á praia e dar um mergulho no inverno. comer um croissant. comer um gelado. cantar aos berros no carro. esquecer horas. deixar para depois. anoitecer e ver a primeira estrela no céu. ficar com areia nos sapatos. qualquer coisa menos o chegar a casa assim, com horas do dia para viver.

vento

foi como se de uma pessoa se tratasse que conheci a música da Mafalda (Veiga). concertos, estrada, a ana, a banda, o pessoal técnico responsável por profissões que nem sabia que exístiam. outros lugares, públicos, palcos, palmas. tantas e tantas palmas. o encontro. noites roubadas e amanhceidas com o sabor da vitória. noites que ficaram noites de sempre. no último concerto quase não estive lá. há alturas em que estou tão inteira que me esqueço do meu corpo, do peso e limites das coisas. atravessei espaços da minha vida em menos que um piscar de olhos: futuro, presente, passado e futuro, presente, presente. numa ordem que é só a minha na ficção de lembrar. fora do tempo também. não consigo tirar um momento, soltar cá para fora, dar isso, porque é como se me tirassem um braço. como se alguém viesse, quisesse o meu braço com um direito de propriedade que não tem, me levasse uma mão que é minha, cotovelo, a pele por cima, o sangue a correr por dentro, células e células que também são eu

cinco minutos

sonhei com muita coisa, mas raramente me lembro com o que sonho. e agora, enquanto os dedos tocam em letras que aparecem à minha frente, é de noite e o dia não começou. já não estou no tempo do sonho nem de dormir, mas ainda não chegou a altura de me mexer,sair para o mundo e deixar acontecer um dia. o que me apetecia mesmo era chegar à varanda, com lisboa em silêncio, e ouvir o som da madrugada. o barulho quieto do mundo a abrir os olhos, espreguiçar-se e voltar-se para o lado, mais para dentro do lençois. só mais "cinco minutos".

o meu pai

o meu pai não é alto. tem uma barriga bem redonda, especialmente cómica quando está de perfil ou em fato de banho. era nessa barriga que eu gostava de adormecer quando era muito menina e me despedia do dia a subir e descer naquela respiração. sabe dar abraços, com um aperto final no fim, mesmo no último instante em que os braços ainda estão juntos. levantava-me de pernas para o ar e andava comigo à roda, deixava-me acordá-lo de manhã ou pedir 5 ou 6 gelados, ou umas quantas idas ao jardim da estrela para andar de bicicleta. lá punhamos o meu orgulho de "bina" em cima de um carocha antigo que, apesar da desconfiança alheia, sempre chegou ao fim dos caminhos. ainda hoje anda, com mais anos que eu, como um irmão mais velho. o pai adora bacalhau coom batatas e sopa de feijão. gosta de carochas e de passar despercebido. gosta do céu porque "o meu pai era avião". o pai gosta de redes brasileiras, ou então sou eu que gosto e ele gosta comigo também. gosta das ondas e do ma